I'm Winston Wolfe. I solve problems.

quarta-feira, março 08, 2006

Eu não vi os Rolling Stones – ou uma epopéia caipira na terra dos biscoitos Globo (parte 1)

Meados de 2005 - uma tarde qualquer na redação. Meus olhos piscam. Penso serem as lentes de contato castigando os olhos. Esfrego. A sensação não passa. Lembro do porre da noite anterior e a cabeça dói. Abro a agenda na letra D. Disco o único número que se encontra lá.

- Denão?
- Fala, gaguinho...
- Os Stones vão fazer show no Brasil ano que vem.
- Ô lôco... Nem brinca, cara...
- Sério. Tô lendo aqui, agora, uma matéria que caiu na rede.
- Putz, senti uma pontada no coração agora... ai... depois eu te ligo...

Madrugada de 18 de fevereiro de 2006 - concentração em frente ao No Canto, em Nova Odessa. Apreensão.

- Cadê o microônibus? - indaga Núria, mãos dadas com o então namorado.
- Sei lá - respondo. Do outro lado da rua, Denis engole uma cápsula de Valium para controlar a tremedeira. Ao meu lado, Dringola entorna a terceira caipirinha da noite.
- Caralho, cara, esse busão ta demorando. Não vai sair no horário, eu sabia, puta merda, eu sabia - resmunga o rotundo diagramador.
- É, acho melhor darmos o fora. Será o Mineiro ta aberto? Queria um X-Tudão Com Tudo - sugiro.
- Vão a merda os dois, ok? A merda, a merda - vocifera Denis, devidamente alterado, chacoalhando o tubo de comprimidos numa mão e uma garrafa de Petra na outra. Ele é fino, só toma cerveja preta. E esquisito, porque espera esquentar. "É um costume andino", costuma justificar.
- Olha o busão - aponto, indicando para um microônibus Clewis que acaba de aportar na apreensiva esquina da praça onde se encontra a pequena multidão de corajosos interioranos que desprenderam algumas dúzias de cobres para custear a viagem. E sobrou pouco, pelo que dava para perceber pela enorme quantidade de cerveja caseira preparada por uns e os sanduíches de mortadela e apresuntado devidamente armazenados por outros tantos.
- Hora de partir - penso, fazendo um discreto sinal da cruz invertido. "Se vou ver o filho do demo, é melhor começar a pagar pau desde já", raciocino.

No ônibus, todo tipo de hálito e secreção se mistura. São caipiras, gente simples - porém aguerrida e honesta, "antes de tudo, uns fortes", diria Euclides da Cunha - que ainda reluta em se entregar à ética primeiromundista da assepsia social.
- Eu trouxe um leitão. Ele quer ver o mar - aponta um dos presentes, exibindo uma peça completa de pernil defumado. Mais veloz que uma bala, numa fração de segundo, Denis dispara, a boca arroxeada pelos medicamentos.
- Gaguinho, tamo fudido. A gente vai morre, vai morre, eu sei. Ontem, minha mãe leu no fundo da panela de carne moída que a gente ia morre.
Isso era fato. A mãe de Denis, dona Rúpia, era conhecida e requisitada gastrotérica da cidade. Era capaz de adivinhar quanto o sujeito carregava no bolso contado a quantidade caroços de azeitona separados para uma Ceasar Salad. Tentei contemporizar.
- Nada, filhão, relaxa. Toma, bebe um pouco desse daikiri de curaçao.
- Brigado, véio. Deus lhe pague - retornou Denis, entornando um estranho copo quadrado plástico. Em seguida, virou para o lado, a mão por dentro da calça, segurando o pênis. "Tradição andina", dizia. Ok, não me meto em assuntos abaixo da linha da cintura dos meus amigos.
Logo atrás, Núria balbucia.
- Ta chegando?
- Na Anhanguera? - respondo, em tom sarcástico.
- Vai se f****, filho da p***. Vai come a b******* da sua tia, vai - dispara, feito metralhadora. "Ela ta assistindo muito o filme do bateman. Preciso pedir para a mãe dela ficar de olho", penso, enquanto amarro uma tripa-de-mico no antebraço. Na outra mão, uma seringa hipodérmica cheia de groselha. "Delícia", meus olhos dizem.

Tomar um pico de groselha é como mergulhar numa piscina cheia de música com rotação alterada de um disco qualquer do Atari Teenage Riot. Traduzindo: é merda na certa. "Parado você havia com isso, Babaganuche-san", ecoava em minha mente a voz do dublador do Pat Morita em Karate Kid. Sim, estava limpo, vez ou outra sorvendo pelas ventas um pouco de Haggen-Das sabor limão. Mas era só quando precisava buscar o holerite no RH. A groselha entrava agora pelos meus pulmões, me fazendo soltar lufadas de ar colorido pelas narinas. Ao meu lado, uma estranha planta de aspecto rosáceo regurgitava borbulhas de cor ocre e cheiro acre. Ou seria o contrário? "Sempre me confundo nessa parte...", busquei ao longe.
De repente, um solavanco. Sinto o coração batendo entre as pernas. Mas nada mais é que uma enorme boca fazendo movimentos de sucção na minha pélvis. "Lick up, lick up, I wanna lick up", dizia alguém ao fundo, enquanto aquela boca enorme, com uma língua maior ainda, fazia algo que nenhum ser vivo no mundo seria capaz de igualar. "Andy Warhol, claro", pensei, as forças já ao longe.

- Parada para o xixi. Quinze minutinhos, hein? - avisa a coordenadora do ônibus, do alto de seus 2,10m de altura, colant azul turquesa e saltos plataforma de treliça almiscarada. "Do sítio", penso comigo mesmo, já livre do transe da groselha, que agora coagulava no meu intestino grosso. Dringola cola em mim e sussura, entre assustado e estranhamente excitado.
- Cara, onde a gente tá?
- Como vou saber, bicho? Manda o Denis ligar para a mãe dele e perguntar.
- Boa.
Olho ao meu redor e não reconheço nada. Mas faço uma idéia. Árvores de açúcar cristalizado de onde pendiam maçãs carameladas, cercadas por grama de jujubas de cores sortidas regadas por riachos de chocolate mentolado. O chocolate mentolado, não sei porque, me fez lembrar de Sidney Sheldon. "Velho de merda", rebato, em pensamento. Sinto algo puxando a barra do meu jeans. É um cachorro feito de goma de mascar. Ao morder, deixa pedaços de seus dentes de Mentex na calça. "Caraleo", digo a mim mesmo, sem notar que, a essa altura, o ônibus já estava de partida.
- Vem logo, ô pagliaço! - grita Dringola. Com tamanha delicadeza, não posso recusar. Penso nas árvores doces. "Maldito seja Tim Burton. Fui envenenado", digo algo, creditando minha alucinação ao cineasta amigo do Johnny Depp que adora usar óculos escuros e não gosta de pentear o cabelo.
O expresso parte e eu acendo um charuto de acerola.
- Alguém aí aceita? - oferece, educado. Núria se atira com sofreguidão ao cilindro antes mesmo de eu terminar a frase. "Dá aqui", pede, cortez, a rádio-escuta. E lá se foi meu único enrolado, não me dando outra opção que não tentar. Ou pelo menos tentar, se não fosse o maldito banco feito de marshmellow que me engolia e atraia formigas gigantes, daquelas que estreavam filmes no Cinema em Casa do SBT.
Mas o ônibus retomou sua rota. Eu me servi de um pouco do doce do assento e adormeci. Adormeci para acordar e encontrar algo muito pior que baunilha com gosto de Mash.

6 comentários:

Dringola disse...

o que o senhor disse com retundo morfético, decisivo, peremptório ou redondo mesmo seu lazarento...

appothekaryum disse...

tsc, tsc, tsc.

doente....

atr é muito bom. minha banda predileta na adolescencia.

Nuvens de Palavras disse...

Charuto de acerola... bem bom, hein?! Tem como arranjão uns por 100lão?

Anônimo disse...

Bem, isso explica muito do que vi naquela tarde na Av. Atlântica...

Anônimo disse...

Isso não foi uma excursão para a casa da Viva... Foi uma orgia gastronômica melequenta de xarope de groselha!

Anônimo disse...

como era o namorado da Nuria??