I'm Winston Wolfe. I solve problems.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Corações partilhados


    O fato é que eu e D. criamos as Noites dos Corações Partidos. Normalmente no terceiro sábado do mês, lá pelas tantas, abastecíamos o carro com latas de cerveja e alguma gasolina e nos lançávamos em um peculiar via crucis. Durante toda a noite e início da madrugada, visitávamos as casas de antigas namoradas ou paixões platônicas adolescentes, casos mal resolvidos ou que haviam se tornado doídos desafetos, para dar cabo de nossa ingrata tarefa.

    O modus operandi não previa uma abordagem direta. Chegávamos no endereço da garota, parávamos o carro em frente a casa dela e lá permanecíamos por no máximo uma hora. Então, um de nós, dependendo de quem fosse o responsável pela nossa ida até o lugar, contava histórias tristes e amargas sobre o antigo relacionamento com a dona da casa. Ou pior, sobre a tentativa de relacionamento que nunca se concretizou. Valia tudo, de discussões fúteis a broxadas, de puladas de cerca a flagrantes obscenos. Nada escapava do livro de memórias aberto a força pelas vertiginosas talagadas de cerveja noite adentro.

    A coisa ficava ainda melhor se houvesse algum sinal de que a garota hoje estivesse comprometida. Um veículo estranho estacionado na rua ou na garagem, uma risada diferente vinda do andar de cima, ou até, com sorte, vultos espremidos entre as sombras do luar. A mera hipótese, enfim, de que uma antiga paixão hoje se entregava com sofreguidão e afinco a outros braços dava ainda mais sabor à empreitada, elevando a potencia máxima a dor dos já trágicos relatos que se sucediam.

    Musica era proibida. Afinal, estávamos ali para chorar as nossas dores, e não para ouvir lamentos de um outro qualquer. Um terceiro elemento estragaria por completo a noite, tirando de nós e nossas confissões o centro das atenções.

    Após o término das histórias referentes à residência em questão – ou com o fim do tempo estabelecido – rumávamos para a próxima, alternando, evidentemente, o alvo do contador do causo. Não eram comuns as ladainhas se repetirem, mas podia acontecer e, nesse caso, o outro, mesmo sabendo disso, não interrompia. Poderia ser a mesma história para quem estava ouvido, mas não para quem estava contando. E isso era o mais importante, essa era a razão daquelas noites terríveis. Exorcizar antigos fantasmas que continuavam a assombrar nossas jovens cabeças.

    E com era difícil. Por mais de uma vez pensamos em desistir, porque o efeito muitas vezes era contrário e a dor só aumentava. Pouco importava quem havia terminado com quem ou em que circunstâncias ou quanto tempo fazia. Estar ali, praticamente na soleira dos seus quartos, respirando o mesmo ar que elas respiravam – e que talvez compartilhassem com outros agora – era de quebrar qualquer muralha. Não havia glândula lacrimal atrofiada que funcionasse naqueles momentos.

    Mas de alguma forma achávamos necessário aquilo. Tínhamos a idéia fixa de que, enquanto sentíssemos qualquer coisa por elas, não poderíamos parar. Era preciso expurgar até o último suspiro de sentimento. A busca pela indiferença absoluta deveria ser incessante. E se um dos dois a alcançasse antes do outro, este jamais o abandonaria a própria sorte. Ficaríamos juntos até que os dois estivem finalmente libertos.

    As Noites dos Corações Partidos duraram pouco menos de um ano para D. e quase dois para mim – minha tendência à instabilidade provou ser, de maneira definitiva, mais nociva do que aparentava, já que quanto mais casas tinha a visitar, mais fantasmas me restavam para encarar.
    As histórias, todas cuidadosamente gravadas e arquivadas em fitas K7, foram sumariamente destruídas ao final do processo – e novas unidades, claro, compradas.

5 comentários:

Anônimo disse...

Sensacional essa história.

Biajoni disse...

um chicote funciona melhor para AUTOFLAGELAÇÃO.

Anônimo disse...

Aposto que as fitas estão guardadas num cofre sob nome falso. Um dia seu conteúdo há de ser revelado e seus herdeiros ficarão ricos.

Simy disse...

Cara, porq a gente sempre acha que vocês são bonitos hein?
hahahaha!!!

Simy disse...

Vai ver meu novo layout.