I'm Winston Wolfe. I solve problems.

sexta-feira, setembro 15, 2006

O cru e o cozido



    - Tu gostou de mim na minha pior fase, né?
    Ela abre um sorriso tímido. Cerra os olhos em interrogação.
    - Como assim, na sua pior fase?
    Ele se endireita.
    - Ah, naquela época eu era bem estragado, pô. A cara cheia de espinha, o cabelinho repartidinho para o lado, não sabia combinar roupa. Lembra, eu usava a camisa por dentro da calça e a calça, putz, quase no umbigo. Fora os óculos de aro dourado.
    Ela estala a língua. O sorriso se transforma num simples risco entre os lábios. Ajeita o cabelo para trás da orelha esquerda. Nada diz. Ele continua.
    - Hoje não, né? Cresci, dei uma encorpada, minha pele melhorou, tenho esse cabelo legal - chacoalha o rabo-de-cavalo - tenho meu próprio carro, grana, e, modéstia a parte, fiquei muito bom de cama. Lembra quando começamos? Putz, eu devia ser horrível, todo ansioso e tal.
    Ele dá uma risadinha nervosa. Ela tenta um sorriso. Abaixa os olhos fingindo procurar alguma coisa no chão. Levanta a cabeça e o fita.
    - Prefiro você antes, sabia?
    Ele força um riso.
    - Por que?
    Ela responde, soltando a respiração de leve, mexendo pouco os lábios.
    - Porque você podia ser só um moleque, durango, até meio feio e desengonçado, mas era tão mais legal. Não que hoje você não seja, mas antes era mais, ai, espontâneo, sabe? Inocente. Você era legal por ser legal. Não para comer alguém ou algo do tipo.
    Ele emudece. Os olhos vidram nela. Sente as mãos suarem. Sabia que aquilo não daria certo.
    - E porque você acha isso?
    Ela toma novo fôlego.
    - Dá pra perceber, ué. Gostei de você no meio de todos os seus amigos bem mais bonitos que você porque era especial. Tinha um jeito de se destacar que eles não tinham. Era amável, carinhoso, carente até, e sabia escrever poesia. Era de uma tristeza bonita, sabe, desarmada. Hoje não. Hoje você parece magoado, sempre pronto para reagir. Sempre julgando, apontando o dedo, dono da verdade.
    Ele engole em seco. Ela continua.
    - Não sei se porque éramos muito novos e não conhecíamos muita coisa sobre tudo e então tudo era novidade, e agora, sei lá, você é todo cheio de si. Não discuto que está melhor, mas melhor em que? Em magoar as pessoas? Em mentir? Em ser egoísta? Isso é ficar melhor? E aí você vem e critíca o meu gosto musical, minha família, cheio de sarcasmo, como se só você entendesse a piada. O que você ganha com isso?
    Ele já não absorve mais, está em modo de auto-defesa. Rebate de pronto.
    - Eu me basto. Ao contrário de antes, que vivia choramingando pelos cantos por causa de qualquer garotinha, hoje eu posso escolher. Não preciso mais citar versos da Legião.
    Ela altera a voz. Dispara, interrompendo.
    - E acha isso bom? Acha que não precisa de ninguém? Vai ficar escolhendo até quando? Você não faz idéia do quanto me machucou. As coisas que fiquei sabendo depois, nossa, só pioraram tudo. Eu te odiei mais do que tudo no mundo, porque acreditei em você, no que você me falou e escreveu. Sabe, não precisava ter sido daquele jeito. Eu era apaixonada por você, faria qualquer coisa por você e você sabe disso.
    Ele sente que não pode ganhar. Engole seco novamente. Ela não dá trégua.
    - Foi difícil te esquecer. Mas hoje, vejo que não perdi nada. Aquela arrogância que era até engraçada, porque não tinha fundamento, ficou séria. Tem dinheiro, tá, e daí? Acha que só isso basta? Então você não sabe nada da vida. Não sabe nada de amar e de sofrer, de se entregar a alguém total e cegamente. Porque só quer saber o que se passa abaixo da sua cintura, só isso te interessa.
    Ela pára. Os olhos estão duros. As mãos param de chacoalhar. Ele a fita, a boca retorcida num gesto de conformismo covarde. Foi pior do que imaginou.
    - Eu não sou esse monstro, tá?
    Ela abaixa a voz. Alisa os cabelos para trás.
    - Você deixou que aquele moleque feio tomasse conta de você. Tá tudo invertido. O que era bonito foi pra fora, e o pior entrou pra dentro. Quer descontar no mundo uma culpa que ele não tem. Você sofreu? E quem não sofreu quando era adolescente? Vai ficar se fazendo de vítima atrás dessa pose toda? Sabe, parece que você vive apenas para provar para o mundo que ele estava errado, que hoje você é melhor que antes e que as pessoas precisam te admirar por isso. Elas vão te admirar pelo ombro sincero que você oferecer à elas, e não pelo tamanho do seu pau.
    Ele tenta.
    - Eu sou o que sou. E sou feliz assim. Não preciso ficar me...
    Ela se altera novamente, rasgando. As mãos voltam a chacoalhar.
    - Ótimo, então vai viver sozinho. É isso que você quer? Quer um monte de gente pagando pau pra você sem um motivo de verdade? Porque é isso que você se tornou. Alguém com cada vez menos a oferecer. Ao contrário de antes. Por isso prefiro você antes. Sincero. Puro. Inocente. Entregue. Ah, sei lá. Tá tarde e eu preciso ir embora.
    Ela se levanta. Enfia a foto no bolso e sai andando. Ele não esboça movimento. O vento sopra quente e a tarde vai caindo. Sente vontade chorar. Mas não chora. Levanta, bate as mãos na parte de trás da calça e entra no carro. Dirige em silêncio.

4 comentários:

Anônimo disse...

sinto que isso é mistura de outro diálogo nosso com algum diálogo seu com outra pessoa....sinceramente, vc deve estar assistindo muita TV

Anônimo disse...

Mandou bem.

o grande eubage disse...

Eu também preferia meu antigo eu... ;)

Anônimo disse...

Holy shit...