Americana, como qualquer outra cidade de interior, sofre com um problema histórico crônico. A falta de opções de entretenimento noturno para quem tem menos de 50 anos. Ou, mais precisamente, para quem gosta de diversão com alguns decibéis acima do permitido. E permissão é o mínimo necessário para fazer acontecer o que se pretende. Muito difícil? Vamos simplificar então: a cidade não tem um filhodaputa de um lugar para se ouvir música ao vivo depois que sol se põe – ou antes até, sejamos francos.
A cidade é governada pelo prefeito Erich Hetzl Júnior (PDT), sujeito de pulso fraco e que ergue a voz apenas contra profissionais de mídia que estão alí par fazer o que são pagos para fazer – confesso que votei nele e, se pudesse, pediria meu voto de volta de tanto arrependimento. Mas a culpa não é exclusiva dele. Há coisa de uma década Americana não possui vida noturna no que toca a música ao vivo. Descartamos aí os barzinhos que cedem um canto para crooners de Djavan e Milton Nascimento, com seu violõezinhos e vozes em falsete que não fazem mal a ninguém. Estou me referindo à música movida a baixo, guitarra e bateria. Estou me dirigindo a quem não tem pena dos tímpanos e é ligado no 220, que curte um bom rock´n´roll e congêneres e sabe que estes não podem ser apreciados se o volume estiver abaixo do 10.
Mas em Americana isso não existe. É proibido. De bares a festas, nada pode incomodar a vizinhança, que tem o direito de descansar em silêncio total e absoluto. E não adianta vedar as saídas de som, porque as reclamações recairão sobre o movimento que se forma ao redor do lugar – carros congestionando o trânsito, molecada falando alto, sujeira formada por garrafas, latas e copos descartados nas sarjetas pelos freqüentadores. Tudo, enfim, feito para impossibilitar ao máximo a construção de uma cena noturna na cidade.
Em cinco anos, pelo menos três bares baixaram suas portas e uma dezena de festas foram impedidas de acontecer por força da prefeitura, que não hesita em dificultar ou não fornecer alvarás de funcionamento ou mesmo fechar estabelecimentos na primeira reclamação. A vizinhança, claro, tem o direito de descansar em silêncio total e absoluto. Entretanto, a coisa muda de figura uma vez por ano, quando acontece a Festa do Peão Boiadeiro de Americana. Então, tudo é permitido. Para o CCA (Clube dos Cavaleiros de Americana), organizador do evento, nada é negado. Pelo contrário.
O recinto onde acontece a festa fica do outro lado da cidade. Numa região esquecida pelo poder público, abandonada à própria sorte desde sua criação, mas que recebe a atenção da municipalidade quando é tempo de rodeio. Afinal, gente de todo o Estado passa por lá e a última coisa que se quer são turistas com má impressão do governo municipal. Neste ano, por exemplo, as ruas que dão acesso à festa foram pavimentadas - numa região onde asfalto é uma realidade muito distante, é preciso agradecer ao CCA, não?
Nas noites de festa, a Rodovia Anhangüera e suas vias de acesso ficam intransitáveis. Os congestionamentos nababescos se estendem por quilômetros, obrigando o incauto motorista, que está apenas de passagem pelo trecho, a esperar quantas horas forem necessárias, porque nada pode ser feito. Os acostamentos deixam de existir, tomados de vendedores e carros de gente que se cansou de esperar e resolveu ir a pé.
A polícia? Ah, sim, a polícia em peso está dentro do recinto da festa para garantir a segurança dos freqüentadores. E quem está garantindo a minha segurança fora dali? Claro que a corporação afirma não haver problemas, pois o número dos que ficaram na cidade é suficiente. Nesse caso, podem demitir os outros, já que não fazem falta, correto? E por que a polícia, que é um órgão público, está fazendo a segurança de um evento particular? A festa que se vire com sua própria segurança. Eu, como contribuinte, não tenho que pagar por isso através da polícia que ajudo a sustentar com meus impostos.
Entre uma semana e outra de festa há o desfile dos cavaleiros. Dezenas de cavaleiros pegam seu, hã, cavalos e saem às ruas para mostras seus... cavalos. Se a população se incomoda tanto com a sujeira que é feita nos arredores dos bares de música ao vivo, certamente não deve gostar de sentir o cheiro de estrume fresco que paira no ar da cidade durante e depois do cortejo.
O recinto, por sinal, é aberto e distante quilômetros do centro da cidade. Entretanto, é possível ouvir perfeitamente todo os shows musicais que acontecem toda as noites, normalmente após às 22h. Onde está, pergunto eu, a lei do silêncio que faz fechar bares de música ao vivo ou impedir que festas aconteçam? Dois pesos, duas medidas, é isso? Ou será que ninguém reclama?
É claro que reclama. Basta um pouco de bom senso e conhecimento histórico. As primeiras festas de peão de Americana aconteciam no Centro da cidade. Foi preciso um prefeito de pulso – o finado Waldemar Tebaldi, de quem Erich herdou a cidade após sua morte (e só a cidade, não o pulso) – para peitar o CCA e os mandar para qualquer outro lugar. Agora, mesmo distante do Centro da cidade, mas ainda assim no meio de um bairro residencial, a festa continua a causar os mesmos problemas que fecham os bares de música ao vivo. Ou será que quem mora na periferia da periferia não tem o direito de descansar em silêncio total e absoluto? Até nisso seus moradores são excluídos?
Não sou contra a Festa do Peão de Americana ou seus freqüentadores, nem tenho nada contra seus organizadores. Mas é preciso justiça. Pau que bate em Chico, bate em Francisco, diria meu irmão. Ou estou errado?