A vida de uma boa banda passa por fases. Algumas boas - normalmente o início - outras ruins - do meio para o fim. Para fãs, admiradores ou mesmo aqueles que se dispõe a olhá-las como algo além da simples expressão de egos inflamados, é comum ter suas preferências. E dentro de uma preferência por uma fase, é normal que se admire mais uma ou outra canção em detrimento de outras do mesmo balaio. Comigo é assim com os Rolling Stones.
"Wild Horses" é considerada a balada mor dos Rolling Stones. Difícil encontrar quem não a tenha entre as 10 mais para embalar fossas ou rodar a esmo pela cidade remoendo alguma dorzinha-de-cotovelo. Ela faz parte de Sticky Fingers (1971), o segundo de uma quadrilogia de discos em tudo perfeitos - e não sou só eu que acho. É trilha sonora de grandes filmes, como "Adaptação", e idiotices legais, como "Ligado em Você". De tão emblemática, ganhou um novo videoclipe, desses classudos em preto-e-branco e tal. De tão legal, um monte de gente fez suas próprias versões, e até em propaganda de enlatado foi usada.
Mas eu simplesmente não consigo gostar dela.
Nada pessoal. Ou melhor, tudo pessoal. Ouço Mick Jagger cantando que "cavalos selvagens não conseguiriam me tirar daqui" e penso "porra, sempre morei na cidade. O que diabos cavalos têm a ver comigo?". É isso que sinto. Quer dizer, não sinto. Não sinto nada. Balanço a cabeça concordando com o ritmo, apenas esperando pela próxima faixa. Nunca cravei um repeat nela como costumo fazer com aquilo que de fato me cala fundo.
E isso às vezes me incomoda. Se gosto dos Stones, em especial a parte que importa - e nela "Wild Horses" está invariavelmente inclusa - não deveria apreciar a referida balada também? O dedilhar de violões de Richards me remete a uma paisagem campestre e árida, da qual compartilho apenas a segunda parte. O que Jagger canta pra mim não faz o menor sentido. Não extraio dalí nenhum tipo de sentimento, nenhum recordação, nenhuma metáfora, nada.
Se uma boa canção precisa pelo menos te fazer parar o que está fazendo para ouví-la com mais cuidado, definitivamente não é o caso de "Wild Horses". Para mim, "Out of Tears", do irregular Voodoo Lounge (1994), é que tem esse poder. O simples ouvir do piano inicial me traz uma enxurrada de recordações, arrepia os pêlos do antebraço e me faz querer cantar junto e dedilhar um air guitar.
Só que "Out of Tears" faz parte de uma outra fase stoniana. Diferente de "Wild Horses", que marca o ápice criativo e revolucionário dos Stones, minha balada preferida remete ao tempo em que Jagger e cia. se transformaram numa empresa bem consolidada dentro do showbusiness disposta a tudo para faturar qualquer trocado. Logo, é decente e recomendável gostar de "Wild Horses", citá-la como preferida dentro do seu gênero, saber tirá-la numa roda de camaradas ou mesmo saber cantar seu refrão. Já "Tears" pertence ao rol de canções que se prefere esquecer não por serem ruins, mas por lembrarem de um tempo onde seus autores perderam o respeito por si mesmos. Logo, pega mal gostar dela ou até mesmo dizer que, ah, tem uma levada bonita.
É estranho concluir isso. Por admirar demais determinada fase de uma banda - até com certa razão - acaba-se por abrir mão de gostar do que ela faz depois disso. Rotula-se a música que esse grupo faz entre antes e depois. "Ah, agora eles são uma farsa. Antes, sim, era bom", destacam. Claro, não dá pra comparar Beggar´s Banquet com Dirty Work. Mas mesmo dentro do segundo, que é estupidamente inferior em todos os sentidos ao primeiro, existem bons momentos. Momentos que acabam sendo desconsiderados pelo todo que a obra representa dentro de uma lógica que divide uma discografia em fases.
Apreciar um grupo por fases é uma maneira de se manter acomodado e limitar o gozo do que realmente importa, no caso, a música. Esteja ela num clássico revolucionário sessentista ou numa peça feita para faturar com anúncios de carro.
2 comentários:
Cara, acho Wild Horses legal, mas também não entra nas minhas 10 preferidas dos Stones. E concordo com o que você disse. Por fazer parte da "fase boa", ela entra junto no balaio.
E acho que o Metallica é o maior exemplo disso. Muita gente divide entre antes e depois do Black Album. Eu sou suspeito pra falar, mas tem lixo no antes e tem maravilhas no depois...
é, filhão
se o assunto é fases, nada como ouvir daquele povo entendedor de música: "Doors (substitua por floyd, queen e outros dinossauros ...) era tudo, isso sim era música. Depois, não fizeram mais nada de bom".
Pensando assim, fica fácil não levantar a bunda da cadeira.
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