A primeira coisa que me vem à cabeça quando olho alguém na rua é: "será que alguém come essa mulher?" ou "será que esse cara come alguém de graça?". É um impulso natural principalmente quando me deparo com gente que tenho certeza que irá responder negativamente a minha questão. É um povo que não tem como ter sexo de qualidade sem pagar muito por isso.
Um exemplo disso é minha vizinha da frente. Ela deve beira os 40 anos, tem a pele macilenta e sem viço, os cabelos compridos e maltratados que denunciam sua opção religiosa, parece se vestir com sobras de retalhos de confecção de bairro e, pior, tem uma voz insuportavelmente esganiçada, que reverbera pelo quarteirão durante o dia a procura dos filhos, do marido, do cachorro, do carteiro, do padeiro, enfim. Concluo, após o curto tempo como vizinho, que o marido da mulher deve tê-la comido apenas duas vezes - ocasião que lhe deu os dois filhos. Porque nem com a maior raiva, desprezo ou nojo do mundo pelo próprio pau, um homem o introduziria mais que o necessário naquela mulher. Não é exagero.
Ela, assim como outros passantes que observo quando travo contato com o mundo exterior, não chegam a ser repulsivos por apresentarem características físicas fora do habitual, exalarem algum tipo de odor desagradável ou ostentarem um péssimo gosto para roupas. Repulsa nem é a melhor ou mais correta palavra. E sem essa de beleza interior, inteligência, espirituosidade, personalidade ou carisma. A questão vai além dessas convenções bobas que penamos em acreditar e fazer valer da boca pra fora. É algo além desses detalhes que os fazem, na minha opinião, totalmente impossíveis de serem sexualmente relacionáveis. Parece que algo no jeito de andar, de atender o celular, de olhar uma vitrine ou chupar um sorvete. No caso da minha vizinha, é o arrastar desmazelado das chinelas rua cima e rua abaixo que me faz crer que seu marido deve entornar uma garrafa de álcool etílico antes de deitar ao lado dela.
Quero crer que são fruto de alguma piada, uma anomalia do sistema natural, uma exceção do meio comum. Um erro que se esforça para tentar conseguir um lugar não para viver, mas sim sobreviver. Porque é impossível saberem o que é viver de fato se não tem prerrogativa do sexo usual, ordinário, básico que seja. Desculpe a sinceridade, mas não são felizes. Suas existências estão aí não para serem admiradas, odiadas, estudadas, comentadas ou até execradas. Eles passam incólumes pela grande esbórnia que é a vida! Estão dentro de uma grande suruba e ninguém se interessa por eles a menos que haja algum compensação muito, mas muito grande.
Fico a imaginar não o que se passa pela cabeça dessa classe - quem é o que é se acostuma com isso, não tem jeito. Nem penso em como se reproduzem, porque é fato que o fazem e em larga escala. São nos pais dos pares desse povo que gasto minhas pestanas. Não dá pra conceber o desgosto de um pai e uma mãe quando o rebento chega em casa com um tipo desses e o apresenta, olhos marejados e sorriso de orelha a orelha, como seu futuro consorte. Eu não sei se suportaria. O sujeito deve ficar procurando em suas memória o que de errado fez para merecer tamanho castigo. "Devo ter fodido a vida de toda uma geração", pensa o futuro sogro de uma dessas coisas. "Sabia que não devia ter botado tanto chifre na cabeça do meu marido, deus não perdoa mesmo, ai minha santa querupita me acode", enumera na cabeça a sogrona, risinho amarelo no canto do rosto. Não deve haver desgosto maior. Sim, porque eles não se associam com outros da mesma espécie. Parecem escolher alguns dos melhores de nós para darem continuidade a sua linhagem.
Sinceramente não sei o que pode ser feito. Acho até que não há nada a ser feito. Vou continuar a observar, isso é fato. E quem sabe, até catalogar e fichar um a um. Depois, não sei, são planos, criar centros de triagem para esse povo todo. Um sistema de confinamento talvez, um espaço onde poderiam conviver com seus iguais apenas. Pode até ser uma espécie de reserva protegida para que se reproduzam livremente, sem a interferência do senso comum. Taí.