I'm Winston Wolfe. I solve problems.

quarta-feira, julho 19, 2006

Clube da luta

Preciso de exercícios. Menos cerveja, pizza e ar condicionado. Mais caminhada, cereais e ar fresco. Acordar cedo, o que significa maneirar na leitura da madrugada. Usar mais os tênis que os coturnos. Deixar jeans de lado e vestir um moleton.

Caralho, não sirvo pra isso.

Mas gosto de pedalar. E posso fazer isso ouvindo música. Melhor. Mando consertar a magrela. Vinte paus para remendar alguns raios soltos e lubrificar corrente e cabos. Lubrificação é tudo nessa vida, diz meu pai. Beleza.

Será que ainda sei me equilibrar? Consigo. E andar sem as mãos? Hum, nada mal. Pareço em forma. "Mamas Boy", da Suzi Quattro estourando na minha orelha. Legal. Posso tentar pular lombadas? Rapaz, ainda sei fazer isso. Fantástico. E subir guia sem encostar nela? Moleza.

Voltei a ter 15 anos. O vento sopra no rosto que é uma beleza. Dá pra sentir os tendões preguiçosos esticando ao máximo a cada curva que a coroa maior faz. Os pulmões voltam a respirar o que devem, fazendo força para absorver cada golfada de ar que agora entra pela boca. Não dá pra acreditar. Solto as mãos e abro os braços feito um idiota que acabou de aprender a andar de bicicleta e quer mostrar para a mãe que ela não precisa se preocupar porque ele já domina totalmente o dispositivo.

Mas falta uma coisa. Não posso passar sem essa. E sei como conseguir um com classe. Preciso de um tombo. Uma bela ralada. Uma prova de que estou de volta, que estou na ativa. Sangre, baby, sangre.

Meu algoz é a lombada em frente ao prédio da prefeitura, na avenida mais movimentada da cidade. Se for para cair, que seja na frente de um monte de gente. Assim ninguém vai poder dizer que não me esforcei.

Quero velocidade máxima. Ajeito as marchas para as catracas mais pesadas. Do começo ao fim do meu propósito, acho que alcanço bons 30 km por hora. E acredito poder levantar um vôo de aproximadamente um metro e meio de altura da camada asfáltica que reveste a avenida. Já fiz isso antes. Vai ser lindo. Meus músculos pressentem minha intenção e se preparam para o pior. E o pior virá. Mas será bom. Como uma primeira vez bem dada.

Lá vamos nós. O boné ficou para trás, levado pelo vento, que mais do que nunca, é o ar em inabalável movimento. Os pedais rangem. Manoplas bem apertadas. Passo o primeiro semáforo. Verde. Beleza. O próximo provavelmente estará vermelho. Mas não posso parar. Seria melhor se fosse um domingo, quando o trânsito da avenida estaria mais calmo. Mas é segunda-feira. E o bicho vai pegar da mesma forma. Não dá pra voltar atrás. Não dá pra parar. Start me up. E I never stop.

Corto quatro carros até o terceiro semáforo. É perto da hora do almoço e todo mundo tem pressa. Eu também tenho. Sinto que ainda sou bom em costurar os veículos. O máximo de incidente é um retrovisor de uma Brasília que pega de leva no barhand esquerdo. Acontece.

O quinto e último semáforo se aproxima. É a fronteira final entre eu e o chão que pretendo beijar selvagemente. Vem nimim, sacana, vem. A luz é verde e já não sinto meu pés. A adrenalina que percorre meu corpo é inacreditável. Ela amortece tudo, inclusive minha consciência. É como ser lançado ao espaço, sem gravidade e prestes a explodir pela pressão. Lá vai.

Toco a base da lombada. Puxo o guidon com toda força para trás, jogando o corpo no mesmo sentido. Uma última pedalada para ganhar o impulso necessário. Uff. Solto do o ar dos pulmões, ranjo os dentes e abro bem os olhos. Quero ver onde vou cair. Não quero perder um instante sequer do estrago.

O pneu da frente é o primeiro a atingir o asfalto. Aciono o freio dianteiro até o manete encostar na manopla. As sapatilhas guincham e travam o aro.

Tudo pára.

Meu corpo é atirado para frente. Lindo. Lindo. Exatamente como planejei. Lá vou eu. Coloco as mãos para trás, não protejo nenhuma parte do corpo. Quero sentir por inteiro. Cada pedaço de pele branca vai agora se confraternizar com o betume negro e vai gostar disso. Eu sei que vai. Eu vou.

Vou de peito no chão, como se pegasse um jacaré numa onda sólida. Prancho que é uma delícia. Sinto a camiseta rasgar e o tecido fundir com o sangue que jorra da epiderme aberta. Os cotovelos aterrisam aos poucos, feito trens de pouso de um Boeing desgovernado, quase em chamas de tanto que ardem. Bato levemente o queixo, mas suficiente para o lábio inferior rasgar um pequeno corte e chorar vermelho. O golpe me faz virar de lado e oferecer a nádega esquerda e a coxa para ser degustada pelo asfalto. A bermuda sobe e carne alva é exposta, lancinada rapidamente. Gula.

Carne queimada. Mal passada, diria. É minha. O cheiro é latente e dói nos ouvidos. Sinto o corpo todo formigar e as parte raladas latejam. Ela gritam por socorro. Sorrio. Vai ficar tudo bem. Eu estou bem.

Me levanto. Ao redor, olhos me fitam num misto de susto, pena e reprovação. Não consigo me conter e gargalho histericamente. Um guarda pergunta se está tudo bem. Levanto o polegar. Nunca estive melhor. O sangue escorre dos cotovelos, da boca e do joelho.

Pego a bicicleta. Sofreu pouco. Apenas a corrente soltou. Recoloco no lugar, mas não vou sobre ela. Empurro até em casa. No caminho, penso que talvez deva chamar mais gente para fazer isso. Depois, quem sabe, preparar bombas de gordura humana e recrutar outros como eu. Não fai ser difícil. Basta ter uma bicicleta.

E aí? Tá afim?

5 comentários:

Biajoni disse...

tsc...
tem gente que não cresce!

Simy disse...

Adoro pedalar, mas não gosto de cair.
Que doido.
Mas sabe, melhor que pedalar é correr.

Beiju.

Anônimo disse...

Bohemia ???? Blééééhhhhhh

Vai uma malta ae ??? 1 real...

Anônimo disse...

Cara, do jeito que você escreve fez parecer que cair e se ferrar todo é uma coisa boa! Já pensou em ser publicitário?

Anônimo disse...

Caraca, muito bom o texto, mas isso é paranóia !!!

Se é pra se ferrar que seja acordar com a cabeça explodindo e ânsia de vômito ...

Ve se manda noticias Gustavo (gdmtbr@pop.com.br)

Abraço