I'm Winston Wolfe. I solve problems.

segunda-feira, novembro 28, 2005

Verdade

Todo mundo que conheço já assistiu a "Closer". Muitos de tanto eu chatear. O filme é uma lição de vida para mim. Do começo ao fim, expõe de maneira corajosa e direta o que muitos outros gostam de romancear. E toca num ponto que parece ter se tornado obsessivo para a maioria das pessoas que conheço: a verdade.

Sim, a verdade. Aquela que deve ser nua e crua para fazer valer. A única suposição que todo jornalista que prima pela ética deve buscar (isso foi uma piada, desculpem...). Essa palavra que mete medo em tanta gente, que desarma/arma sorrisos, despedaça/conforta corações e liberta/aprisiona almas. A verdade. Nada mais que a verdade, somente a verdade, tipo filme norte-americano de tribunal.

Em "Closer", a urgência enlouquecedora pela verdade destrói relacionamentos que se diziam perfeitos. A mentira também, óbvio. Afinal, só existe a verdade se a mentira está por aí. Um não existe sem o outro, e ambos perambulam por entre os homens desde os primórdios.

O porquê mentimos não vem ao caso. O que sei é que sempre fui afeito a mentiras. Talvez por isso tenha me tornado jornalista: para contar histórias que não existem. Desnecessário dizer que isso me causou (e causa) muitos problemas. Mas o fato é que não demonizo a mentira como o senso comum gosta de pregar. Simplesmente me guio por uma única pergunta: preciso saber a verdade?

Vou dar um exemplo. Certa vez, saindo com uma garota no jardim da casa dela, resolvemos transar. Como não tinha carro, e ela estava com pressa, a coisa rolou ali mesmo, numa fração de calça abaixada e saia erguida. Terminada a peleja, fui para casa caminhando. Entretanto, no meio do caminho, notei que a camiseta que usava estava manchada com sangue na parte de baixo. Óbvio, a garota estava menstruada, mas não havia me dito nada. Ao chegar em casa, tirei a camiseta e enfiei na máquina de lavar junto com outras roupas. "Minha mãe não vai nem notar", pensei bobamente.

No dia seguinte, durante o almoço, ela tira a camisa da máquina e vê as manchas de sangue. Sem perder tempo, vira-se para mim e pergunta: "Gustavo, o que é isso?". Propositalmente, digo se ela quer saber a verdade ou apenas alguma explicação. "Fala a verdade", ela dispara. "Comi uma garota no jardim da casa dela ontem e ela estava menstruada. Aí fez isso aí", respondi. Meu pai quase engasgou com o brócolis, enquanto meu irmão riu baixinho. A expressão de minha mãe nesse instante guardo até hoje, junto com um "eu não acredito, você não tem jeito mesmo", ruborizada.

Conclusão: quer mesmo a verdade? Precisa dela? É tão importante assim? Ou há casos e casos? Se é relativa, então não é uma necessidade absoluta. E se não é absoluta, é discutível. E se é discutível, é uma opção, que posso ou não lançar mão.

Se na ocasião minha mãe pedisse apenas uma explicação, teria dito que se tratava de uma espinha que, quando apertada, sangrou e tive que usar a camiseta para limpar. Ela poderia não acreditar, mas ficaria satisfeita. Entretanto, optou pela versão legítima dos fatos, que a levou a um constrangimento desnecessário.

Em “Closer”, um dos personagens insiste para a namorada confesse que transou com outro quando estavam separados. Ela diz que não, que nunca rolou nada. Mas ele persiste, afirmando que não pode viver com alguém que mente e que quer saber tudo sobre o assunto. Ele sai e, quando volta, ela confessa que realmente havia transado com o sujeito, mas que preferia ele, seu namorado. Mas agora não o amava mais. O desgaste da busca pela verdade havia sido demais para ela. Saber se ela havia ou não transado com outro durante o período em que ficaram separados parecia mais importante para ele que o amor que supostamente sentia. Logo, não havia por que continuar a relação. No final, ele ainda a estapeia pelo que aconteceu.

É ilusão, portanto, pensar que a verdade liberta. Mas não defendo o uso indiscriminado e viciante da mentira. Acredito no bom senso. Acredito que algumas coisas não precisam ser elucidadas mais do que a aparência entrega. A busca incessante e louca pela verdade pode trazer conseqüências nefastas que poderiam muito bem ser evitadas.

A verdade, então, é nada mais que uma versão da realidade. Eu tenho a minha. Você tem a sua. E qual a certa? Quem vai se impor? Até onde está disposto a ir para satisfazer sua sede de verdade? Está realmente pronto para pagar esse preço? Eu confesso que não estou.

7 comentários:

Ismael Grilo disse...

a verdade é a realidade interpretada, já dizia oswald. concordo contigo num ponto: não necessariamente a verdade liberta. mas a mentira costuma se transformar numa prisão. eu tento me guiar pelo princípio de defender a verdade só qd realmente acho importante que a verdade seja dita. se não tem diferença na prática, pouco me importa se tão me dizendo a verdade ou não. enfim...

Anônimo disse...

O problema é quando todos dizem que estão falando a verdade e você fica em uma encruzilhada, sem saber o que pensar, dizer e agir. E quando você pergunta a tal verdade para aquele que você mais confia, ela mente. E se afoga em uma mentira totalmente desnecessária.

Señorita M disse...

Adorei. Primeiramente pq é sobre o filme que eu mais gostei nos últimos meses, segundo pq o tema é polêmico e terceiro pq eu estava com saudade dos seus textos...

Isso me lembra dois provérbios:
1. "toda história tem 3 versões: a minha, a sua e a verdadeira"
2. "nem toda verdade se diz"

Detesto admitir, mas devo concordar com o segundo. As vezes é melhor não saber o que realmente aconteceu se, nesses casos, a verdade só vai trazer decepções e problemas..

Anônimo disse...

Eu também não tô pronta pra pagar esse tipo de preço não, Briga. Gostei do texto. Eu, na base do "filosófico", não acredito em "a verdade". E no dia-a-dia não sei se essas verdadezinhas que a gente tem pra usar (tipo o motivo do sangue na sua camisa)sempre valem a pena não.

appothekaryum disse...

Briga, acho que essa visão de Alice é mto comum. É aquela coisa de 'momento de se deixar apaixonar'. Mas uma das coisas que ninguém presta realmente atenção no filme é a Anna. Simples. Ela não sabe. Ela não faz escolhas. É aquele momento da vida em que "okay, tudo que eu preciso é de alguém que me faça chá todas as noites".

Esse pra mim, é o principal personagem do filme. Quem nunca pensou nisso em um dia se acalmar e começar a ver as coisas de outra maneira? Mesmo que não pense, quantas vezes vemos isso todo dia. Um casal que nem precisa ser mto feliz, mas a necessidade de se estar com alguém é tanta que um deles acaba se deixando levar. Isso fica ainda mais obvio na cena final, quando Anna tá deitada de olho aberto pensando.

Anônimo disse...

Filme maravilhoso, texto idem. Concordo com vc. A maioria das pessoas que dizem querer saber a verdade se arrependem disso ao saberem. Geralmente ela nao reserva boas surpresas!

Anônimo disse...

quem pergunta o que não deve ouve o que não quer.