Estavam deitados. Ela, incomodada. Ele, pressentindo o abate. "Não sei", diz baixinho, quase suspirando, os lábios semicerrados, fingindo ajeitar um brinco. O estômago dá um pulo e congela, como se fotografado no momento mais alto de um salto com vara. Pela primeira vez sente o gosto amargo de uma lágrima que pinga retardada do olho para a boca. Quer ver os olhos dela, mas não consegue. Está escuro demais e ele não consegue olhar nos olhos dela e ver se eles estão mentindo ou úmidos como os dele.
Estala um dedo. Suspira por dentro. Pensa em alguma música que lembre a situação. Quer ligar o rádio, mas a bateria está fraca e depois terá que fazer o carro pegar no tranco para sair do drive-in. "Injeção eletrônica nova, nem pensar", permite-se. Volta para o banco traseiro. A boca ensaiando alguma contrapartida evasiva, uma palavra que seja apenas para restabelecer a ordem naquele que já foi um universo tão perfeitamente equilibrado quanto a prova de matemática da Vanessa, a garota que sentava na sua frente na quarta-série e não gostava de pentear os cabelos. "Devia ser filha de hippies, só pode", foge. Mas que era boa em cálculos, ah isso era.
Ela ainda estava imóvel. Olha para o teto. Vira-se para o outro lado. Ele apoia-se sobre um cotovelo e faz menção de beijá-la. "Belo subterfúgio", arrisca. Mas hesita. Olha para o relógio do painel e conta exato um minuto desde o impacto do iceberg em seu Titanic. Iceberg. O estômago agora estava gelado. Pensava numa boa dose de vodca. Odiava vodca. Na verdade, odiava todo tipo de bebida alcoólica. Bebia pelo social. Lembrou dos tempos de faculdade. "Tomara que estejam todos fodidos agora", amargou, enumerando os colegas que passavam as noites quentes no boteco, enquanto ele procurava a razão de existir socado dentro da biblioteca.
"Olha...", ela deixa escapar. Era como o engatilhar do trabuco. O polegar apertou firme o cão e puxou-o para trás, preparando o golpe fatal. O impacto seria rápido e seco. Fechou os olhos e ouviu os gemidos quentes vindos do box ao lado. Palavrões. Obscenidades. Súplicas de submissão. Palavras de ordem. Tudo era claro pela fina parede de concreto pré-moldado que separava os amantes.
Adorava sacanagem. Uma sinapse o transportou para o primeiro filme erótico de sua vida. "As Idades de Lulu". Não era como as besteiras adolescentes que o faria se consumir tempos depois nas madrugadas de sexta-feira e sábado na TV aberta. Era bonito. A tal da Lulu era bonita. Era na verdade um drama erótico, como toda situação erótica parece ser. Uma mistura de lágrimas e lubrificação vaginal, que mais tarde desbanca para a pura e simples putaria, orgia deslavada, como a que acontecia com seus vizinhos de coito.
O relógio do painel apontava quase dois minutos desde o início do naufrágio. Sentia ser necessário fazer valer sua presença ali. Mas faltavam palavras. Preferiu agir. Pegou a calça em um dos bancos e a vestiu. Ela moveu a cabeça olhando-o. Parecia espantada, mas não poderia precisar pela maldita escuridão em que estava metido. "Olha, eu...", tentou continuar. Pensou em chorar. A garganta secou e sentiu acumular gosminhas brancas nos cantos da boca, como quando ficava com muita sede e passava muito tempo sem tomar água. Queria água. Mas no sentido figurado.
Calçou os sapatos. Vestiu a camiseta. Ela não se mexeu, nua da cintura pra cima. Amarrou os cabelos e o segurou pelo braço. "Eu te amo", disse. E abaixou a cabeça. Se tivesse um machado naquele momento, a executaria, oferecendo a cabeça para algum deus pagão. Mas limitou-se a beijar os cabelos desgrenhados e suspirar.
"Vamo nessa".
I'm Winston Wolfe. I solve problems.
sexta-feira, setembro 16, 2005
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3 comentários:
Catzo, Gustavo... Melhor ir embora, MESMO!!!!
E aproveitando... Queima a porra da carta!!! Tô começando a ter ojeriza de carta de "ex"... Vou queimar a minha!!!
Mais uma... Vou linkar você nos meus favoritos... Se não gostar... Já foi!!!
Beijão
Timing é tudo!
O, Sandrão, honra-me ter-te como leitora. Linko-te também, ora! :)
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