Hoje eu decide que ficaria triste. Não para a vida toda, mas por um momento. Um momento em que eu seria totalmente triste. 100% triste. Free happy. Melancolia pura e simples, dessas de mudar a expressão do rosto, repuxando lábios, causando olheiras que custam a sumir, aumentando as rugas e tal.
Então vasculhei lá no fundo (bem, não tão fundo) e puxei minhas mágoas. Ah, são várias, pode acreditar. Os bilhetes românticos que eu colocava dentro do estojo das garotas no primário e elas faziam questão de rasgar na minha frente e gritar em alto e bom som que jamais teriam nada comigo; as festinhas do ginásio, na casa dos amigos, eternamente com o pé esquerdo encostado na parede, frustrado por não conseguir tirar ninguém para dançar na hora da música lenta; os sucessivos nãos, seguidos de gargalhadas, das meninas das domingueiras ante minha completa inabilidade de dizer as palavras certas na hora certa; os risinhos abafados da classe quando a professora me escolhia para ler algum texto em voz alta e eu naturalmente gaguejava; o nome sempre de fora das baladas organizadas pela comissão de formatura no colegial; o coração comido aos pedaços por vocês-sabem-quem na faculdade; o olhar de "nossa, que tipo esquisito" diante da minha total incapacidade de me sociabilizar em ambientes ou com pessoas que não padeciam da mesma angústia existencialista que eu; alguma amizades que se partiram como vidro ao mesmo tempo que cortaram como tal...
Só com isso já era possível montar uma tarde toda de tristeza. Mas faltava uma tilha sonora. Sim, nenhuma tristeza é completa sem uma trilha sonora. Aí tome Legião Urbana, Smiths, Janis Joplin, John Lennon, Billie Holliday, e tins e bens e tais. Nada de novidades. Elas não me deixam triste, e sim irritado, então vou para a velharia óbvia. Nada mais novo que 20 anos. Tá, poderia incluir aí o Muse ou o Placebo, mas não precisa. Fico com os clássicos do cancioneiro melancólico, que de certa forma marcaram os períodos de cada mágoa lembrada.
Claro que falta mais. A bebida. Ninguém consegue ficar suficientemente triste sóbrio. É a bebida quem faz o link entre a música e as mágoas. Escolho vinho tinto, evidentemente, a bebida da melancolia por excelência. Encorpado, forte, cheiroso e... um tanto caro.
Sim, é preciso gastar dinheiro para ficar realmente triste. Não conheço ninguém triste de bolso cheio. O dinheiro pode não comprar a felicidade, mas certamente distrai a tristeza. E não é o que quero. Quero a tristeza total, completa, cheia até a borda, quase derramando. Na verdade, quero a tristeza jorrando pelos meus póros.
Então tenho minhas piores lembranças. Tenho a música. Tenho a bebida.
Mas tenho você.
Você não me deixa ficar triste. Não deixa que esses meus sentimentos, tão queridamente cuidados e preservados ao longo dos anos, venham à tona. Quer que eu me embriague, sim, mas nos seus apelos de amor incondicional, nas promessas de amor eterno. Quer que eu ouça a tristeza da minha própria alma entrando na sua e se fazendo uma só, se libertando desses fantasmas todos que me atormentam diuturmanente.
Você, que não me deixa opção senão ser feliz. Que me escancara um sorriso besta toda vez que lamento minha existência pífia e niilista. Que desdenha das minhas cicatrizes beijando-as com sofreguidão e lascíva. Que me mostra caminhos dentro desse coração tão jovem e ao mesmo tempo tão velho e pedregoso. Que tira força sabe-se-lá de onde para prosseguir nesse lugar inóspito e tardio que é o meu desejo.
Você não me quer triste. E não me deixa escolha. Deve ser por isso que... bem... você sabe. Nós dois sabemos. E isso basta.
I'm Winston Wolfe. I solve problems.
domingo, abril 30, 2006
segunda-feira, abril 17, 2006
Conversa fiada
Mesa de bar. Quatro cadeiras cheias. Um assunto qualquer entre goles de cerveja e beliscadas no frango frito. Porfírio chega. Sorriso de orelha a orelha.
- Tô namorando - diz.
Expressões de incredulidade seguidas de ares de muxoxo.
- Sério - continua. Acabei de pedir e ela aceitou. E digo mais. Ela adora sexo e não gosta de dançar.
Engasgos. Bofes botados pra fora. Pigarros profundos.
- Gosta de trepar? - pergunta um dos convivas.
- E como. Rola de tudo. Chego a arrepiar só de pensar.
- E não gosta de dançar? - questiona um segundo, os olhos ainda lacrimejantes após engasgar com a bebida.
- Vixi... - antecipa Porfírio. Não pode nem ouvir falar em balada. O negócio dela é esse aqui, ó. Tomar um gorós, curtir com a galera e se mandar.
Silêncio.
- E então? Não vão me dar os parabéns? - questiona Porfírio.
Constrangimento. Um pigarro discreto. Dedos alisando os copos suados, brincando com palitos quebrados, tamborilando sobre a mesa. Porfírio sente o ar pesado. Arqueja as sobrancelhas.
- Cara, então, é que... - começa um deles.
Porfírio empalidece. Sabia que era bom demais para ser verdade. Tenta antecipar a notícia, mas emudece. A língua trava. O garçon traz uma dose de vermute com amendoim.
- Sabe, é que isso que você tá falando não existe. Mulher que gosta de trepar e não gosta de dançar... sinceramente... olha, a gente nem conhece ela, de repente é estrangeira - continua outro.
- Às vezes, pode ser até uma alienígena - permeia um, conseguindo a aquiescência de todos.
"Amigo é pra essas coisas", pensa Porfírio, entornando a bebida num gole só. Se lembra das noitadas selvagens, o sexo oral maravilhoso - "ela até engolia, se querem saber" - a disposição para um ménage, a loucura por música clássica e barzinhos fora do circuito de badalação social...
Sente nojo, repulsa de si mesmo. Faz menção de levantar. Os amigos o seguram. Cabeças baixas. Dor compartilhada. O pensamento é um só, quase saindo para fora: "Mulher que gosta de sexo e não gosta de dançar só pode ser homem".
- Tô namorando - diz.
Expressões de incredulidade seguidas de ares de muxoxo.
- Sério - continua. Acabei de pedir e ela aceitou. E digo mais. Ela adora sexo e não gosta de dançar.
Engasgos. Bofes botados pra fora. Pigarros profundos.
- Gosta de trepar? - pergunta um dos convivas.
- E como. Rola de tudo. Chego a arrepiar só de pensar.
- E não gosta de dançar? - questiona um segundo, os olhos ainda lacrimejantes após engasgar com a bebida.
- Vixi... - antecipa Porfírio. Não pode nem ouvir falar em balada. O negócio dela é esse aqui, ó. Tomar um gorós, curtir com a galera e se mandar.
Silêncio.
- E então? Não vão me dar os parabéns? - questiona Porfírio.
Constrangimento. Um pigarro discreto. Dedos alisando os copos suados, brincando com palitos quebrados, tamborilando sobre a mesa. Porfírio sente o ar pesado. Arqueja as sobrancelhas.
- Cara, então, é que... - começa um deles.
Porfírio empalidece. Sabia que era bom demais para ser verdade. Tenta antecipar a notícia, mas emudece. A língua trava. O garçon traz uma dose de vermute com amendoim.
- Sabe, é que isso que você tá falando não existe. Mulher que gosta de trepar e não gosta de dançar... sinceramente... olha, a gente nem conhece ela, de repente é estrangeira - continua outro.
- Às vezes, pode ser até uma alienígena - permeia um, conseguindo a aquiescência de todos.
"Amigo é pra essas coisas", pensa Porfírio, entornando a bebida num gole só. Se lembra das noitadas selvagens, o sexo oral maravilhoso - "ela até engolia, se querem saber" - a disposição para um ménage, a loucura por música clássica e barzinhos fora do circuito de badalação social...
Sente nojo, repulsa de si mesmo. Faz menção de levantar. Os amigos o seguram. Cabeças baixas. Dor compartilhada. O pensamento é um só, quase saindo para fora: "Mulher que gosta de sexo e não gosta de dançar só pode ser homem".
quarta-feira, abril 12, 2006
Causos helenísticos
Heleno é um paraíba arretado. Em meio a cocotas e mancebos bem aprumados que freqüentam as aulas de pós-graduação mandrakiano - inclusos este e este aqui também - ministrados ao final de cada quinzena, Heleno se destaca. Primeiro, por ser nordestino de cabo a rabo e muito orgulhoso disso. Fez faculdade de jornalismo a cuspe e barbante, faz frila para jornais comerciais (?) e, exalando tendências S&M, sonha ser repórter policial do TodoDia. Num self-service onde o quilo da gororoba custa R$ 15, seu prato nunca sai por menos de R$ 17. Uma máquina, o cabra.
Segundo, Heleno gosta de todo mundo. E todo mundo gosta de Heleno. Principalmente quando conta seus causos.
Conta ele que, durante um comício lá na cidadezinha de onde veio, no ermo sertão da Paraíba, o candidato subiu ao palanque para discursar. Dedo em riste para o céu, perdigotos aos litros sendo lançados a cada frase proferida, o político soltou.
- Eu e meu vice vamos formar um trio de honestidade e descência.
Um assessor, percebendo a cagada, cutuca o homem e o corrige.
- Doutor, um trio são três. Você e seu vice são dois.
Claro que o discípulo de Arraes não se fez rogado e justificou, quase engolindo o microfone.
- A linha férrea são duas e é chamada de trio de trem. Então eu e meu vice também somos um trio. E tenho dito.
Mas tem mais.
Durante a inauguração de uma praça pública, o prefeito enche a própria bola.
- Tá aí, meu povo, a praça que eu prometi durante a campanha. A praça tá fazida, meu povo.
Um assessor o chama de lado e tenta corrigir.
- Hã, prefeito, não é fazida, é feita.
Como perder o rebolado é coisa de paulista prego, o prefeito estica o dedo para a praça atrás da multidão que se aglomerada para ouví-lo e dispara.
- Fazida ou feita, não importa. A palavra tá dizida e a praça, construída.
Ovação total e reeleição garantida.
Segundo, Heleno gosta de todo mundo. E todo mundo gosta de Heleno. Principalmente quando conta seus causos.
Conta ele que, durante um comício lá na cidadezinha de onde veio, no ermo sertão da Paraíba, o candidato subiu ao palanque para discursar. Dedo em riste para o céu, perdigotos aos litros sendo lançados a cada frase proferida, o político soltou.
- Eu e meu vice vamos formar um trio de honestidade e descência.
Um assessor, percebendo a cagada, cutuca o homem e o corrige.
- Doutor, um trio são três. Você e seu vice são dois.
Claro que o discípulo de Arraes não se fez rogado e justificou, quase engolindo o microfone.
- A linha férrea são duas e é chamada de trio de trem. Então eu e meu vice também somos um trio. E tenho dito.
Mas tem mais.
Durante a inauguração de uma praça pública, o prefeito enche a própria bola.
- Tá aí, meu povo, a praça que eu prometi durante a campanha. A praça tá fazida, meu povo.
Um assessor o chama de lado e tenta corrigir.
- Hã, prefeito, não é fazida, é feita.
Como perder o rebolado é coisa de paulista prego, o prefeito estica o dedo para a praça atrás da multidão que se aglomerada para ouví-lo e dispara.
- Fazida ou feita, não importa. A palavra tá dizida e a praça, construída.
Ovação total e reeleição garantida.
sexta-feira, abril 07, 2006
quinta-feira, abril 06, 2006
Sem graça
Não sei se a intenção foi auto-ironia, mas Peter Fonda, o sujeito-homem que personificou o ideal da liberdade setentista pilotando uma Fat Boy em "Easy Rider" e está há anos afastados do cinema, volta às telas participando do filme do Motoqueiro Fantasma. Para quem não sabe, ele, o Motoqueiro Fantasma, é um sujeito que encarna o tal Espírito da Vingança na forma de um motociclista com visual sadomasoquista, cabeça de caveira em chamas, uma escopeta, e pilota uma... Harley-Davidson.
Sacaram? Peter Fonda, "Easy Rider", Harley-Davidson, Motoqueiro Fantasma... Hã? Hã?
Pelo menos ele não pagará o mico de emprestar a carcaça para o cabeça de fósforo. Isso ficou a cargo do Nicolas Cage. É, a grana deve tá ficando curta...
Sacaram? Peter Fonda, "Easy Rider", Harley-Davidson, Motoqueiro Fantasma... Hã? Hã?
Pelo menos ele não pagará o mico de emprestar a carcaça para o cabeça de fósforo. Isso ficou a cargo do Nicolas Cage. É, a grana deve tá ficando curta...
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