Duvido que exista profissão mais paternalista que jornalismo. Talvez o funcionalismo público, essa praga entranhada historicamente nas nossas costas e que serve apenas para dar emprego a gente que, por mérito, nem mãe deveria ter. Mas isso é outro escalão e vou falar do que conheço. Sim, o jornalismo, pelo menos o praticado no interior, ainda funciona de maneira estranhamente burra. Ele premia as maçãs podres enquanto pune aquelas que fazem as melhores saladas de frutas.
Mas antes, um aparte: você sabe o que é um pescoço?
Em jornalismo, pescoço - ou pescoção - é como chamamos o expediente de fechar duas edições num mesmo dia. Normalmente ele acontece de sexta-feira ou vésperas de feriados. Isso significa ficar revisando textos, escolhendo fotos, pensando em páginas e orientando diagramadores madrugada adentro. Enquanto todo mundo está na esbórnia, o editor de pescoço está - perdoem o trocadilho - até o pescoço de trabalho (para não usar um termo chulo). Eu sou editor de pescoço. E toda sexta-feira desço até o mais profundo dos infernos editando reportagens que muitas vezes são simplesmente inacreditáveis - no pior sentido do termo. E isso me faz pensar justamente na primeira frase deste texto. Jornalismo é a profissão mais paternalista do mundo.
Não vou entrar no mérito da empresa, que deveria investir o necessário para me poupar da excursão semanal às profundezas da Terra. Se você é repórter - ou editor - deve fazer seu trabalho direito independente da estrutura que disponha. E ponto final. O problema é que, fazendo ou não seu trabalho direito, no final do mês está lá, na sua conta, alguns pares de digitos positivos. É aí que está a merda toda. É aí que reside o motivo do meu papo com o capeta toda sexta-feira.
Não importa se o cara faz ou não um bom trabalho. Ele ganha do mesmo jeito. Tanto faz ele trazer uma manchete arrasadora ou um release meia-boca sobre a quermesse do bairro. O salário é o mesmo, o que é, no mínimo, desestimulante para quem pertence ao primeiro grupo. Não entendo o que faz alguém passar oito horas por dia dentro de uma redação para, no final, entregar textos chatos, mal apurados, com informações desencontradas ou cheios de erros de português. Fica em casa, pombas!
E como sou editor, penso logo numa solução. E a única que encontro é pagar apenas por matéria publicada. Pura e simplesmente. Jornal algum vai deixar de publicar uma boa reportagem. Logo, quem faz seu trabalho direito nunca ficará sem dinheiro. Ao contrário de quem só produz bobagem, é desleixado, preguiçoso ou ruim de serviço. Os bons, ficam. Os ruins, vão procurar outra coisa pra fazer. Pura e simplesmente.
E digo isso por conhecer muito bem os dois lados da moeda. Admito sem constrangimento que deveria ter ficado sem a cervejinha do final de semana em alguns momentos da minha curta vida profissional. Momentos que não me esforcei o suficiente para fazer um bom trabalho e empurrei com a barriga porque sabia que, lá na frente, haveria alguém para segurar minha bronca (um editor, vejam só, ironia das ironias) e veria meu salário intacto pingar na conta. Fácil, né? Chego, agora, a pensar que se tivessem cortado minha ração, eu talvez fosse um profissional melhor hoje.
Trocando em miúdos, é preciso fazer jus ao pouco que ganham - que ainda é mais do que muitos merecem.